quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um dia de trabalho e um pouco de lazer

Nessa noite tinha dormido muito mal, para dizer a verdade já havia duas noites que dormia pouco e custava a acordar. Fui para a escola, fiz a minha habitual observação. Era dia de entrega de notas já há um mês que tinham iniciado as aulas do 2.º período, mas era neste dia que os pais iam à escola ver os testes de avaliação do período anterior. Eu sentia-me cansada como se tivesse sido atropelada por um camião e anestesiada, com dificuldades em abrir completamente os olhos. Uma professora disse-me que às 10horas vinham os pais receber os testes. A formação de GAP que eu ia dar era às 10h30. Pensei “porque não me disseram mais cedo que ia haver entrega de testes a essa hora… o GAP já não vai ser hoje!” Na formação anterior havia esperado meia hora pela última professora a chegar, obriguei todas a esperar por ela e depois perguntei se sentiam bem estarem sempre atrasadas. Prometeram serem pontuais na sessão seguinte e, o que acontece afinal? Na formação seguinte têm reunião com os pais para entregar as fichas meia hora antes do início da sessão, seria impossível chegaram a horas! Mesmo assim, disse à professora que estaria na Oficina em Língua Portuguesa à espera das professoras para a formação, ela respondeu–me que sim! Esperei 20 minutos, também estava entretida a ler um guia de professores. Uma colaboradora da oficina avisou-me, “As professoras estão lá fora.” Saio da Oficina e vejo algumas professoras sentadas à sombra, ao lado das vendedoras de laranjas e sandes. Fiz-lhes sinal e elas responderam. Voltei para oficina, a pensar “hoje elas têm desculpa, mas agora não estão a fazer nada e viram-me na oficina”. Mais 10 minutos à espera na oficina… bem, conclusão, estou a ser uma completa idiota aqui à espera, mas estou a ler algumas coisas interessantes neste livro, do mal o menor! Volto a sair da oficina, fui falar directamente com as professoras. Ai, santa paciência, explicaram-me que estavam à espera dos pais (sentadas ao lado das vendedoras) e que já iam voltar para as salas. Fui ainda mais directa, “Vai haver formação hoje?”. Sim passei o meu atestado de estupidez, mas já chegava de deduções, queria ouvir da boca delas! Abri mais os olhos ao fazer a pergunta, já estava um sol de rachar, os meus olhos lacrimejaram. Uma das professoras respondeu-me que não ia haver mas podia ficar para o dia seguinte! Questionei as outras acerca dessa proposta, aceitaram. Fui à oficina perguntar se no dia seguinte iria haver alguma actividade naquela hora, não havia, marquei com as professoras.

Fui para casa de boleia com dois colegas, deitei-me na cama, adormeci. Estava mesmo a precisar de descansar!

Acordei, almocei com mais 3 colegas como de costume. No final deliciei-me com o meu capuccino.

No inicio da tarde estive a trabalhar com uma colega. Terminámos o trabalho cedo e decidimos passear por Bissau. Que calor… caminhar às 4 horas da tarde é de loucos… arrependi-me de não ter levado o chapéu! Mas estava a saber bem, raramente passeio por Bissau à semana, é preciso arejar! Fomos até ao porto. Por estranho que pareça, o cheiro não era agradável, mas também não era pestilento… era cheiro de porto. Num caminho com muitos buracos, escamas, restos, lixo atravessamos o paredão! Vendedoras de frutas e legumes, pescadores e peixeiras sentados a verem duas brancas a andar ao sol! Que imagem linda… o verde da água, barcos naufragados e um pedaço de terra verde à nossa frente! Só faltava o sumo natural e o guarda-sol, foi o que eu e que minha colega pensámos. Sentámo-nos num ferro e ali ficámos a olhar o braço de mar! “Vamos ao centro artístico juvenil”, ideia da minha colega que há algum tempo já eu pensava em realizar. Entrámos num táxi, sem saber muito bem se ele tinha percebido onde nós pretendíamos ir. Mais à frente, pára, uma pessoa fala, o taxista abana a cabeça. Não estava interessado no caminho que a outra pessoa gostaria de fazer. Volta a parar, conversa com um indivíduo e entra mais um passageiro para o táxi. Aqui os táxis são mesmo públicos, toda a gente pode entrar até 5 indivíduos. Demos uma volta enorme e eu a pensar “o homem quer ir para um sítio bastante diferente de nós, porque é que o taxista o deixou entrar?” Mas estava redondamente enganada, fomos apenas passear um pouco. Nós fomos as primeiras a sair do táxi, e parámos no local certo. Entrámos no centro artístico juvenil! Tanta estátua negra e castanha num cubículo tão minúsculo. Estátuas de todos os tamanhos, de pau negro e não só, de marfim mesmo! Máscaras penduradas na parede, quadros lindíssimos, mas todo o ambiente em volta muito escuro, nada de muita luz!

O moço que lá estava era bastante simpático fiz uma pergunta acerca de uma estátua muito semelhante à que havia levado para dar ao meu pai. Pergunta puxa pergunta fiquei a saber que: “camachón” (desculpem, mas sinceramente não sei se está bem escrito) é o espírito protector da aldeia da etnia nalú; “nimba” é o espírito protector da mulher, também da etnia nalú; “coni” simboliza a guerra entre o bem e o mal, onde o bem sai vitorioso; existe também um monstrinho, figura humana com uma cobra, simboliza o espírito da justiça, contra a corrupção, da etnia papel de Bissau ou de Biombo. Espero um dia ter fotos porque a estátua mais elegante que gostaria de mostrar é a união de família, que são figuras humanas a formar uma torre unida, muito bonita. Também gostaria de ter maior certeza da forma como se escreve o nome dos espíritos, pois o que consegui foi escrever do modo mais semelhante ao que compreendi, o que pode não ser mais correcto. Mas o mais importante de tudo, é que as estátuas eram lindíssimas, feitas com uma enorme perfeição!

Com esta descoberta estava a ser uma tarde bastante agradável, muito bem passada. Para terminar a tarde, tive de caminhar ao sol quente até casa, atravessar a avenida do Bandim, e o pó que este mercado tem, estava mesmo a precisar de tomar um banho. Cheguei a casa não havia água, tive de me banhar com garrafas de reserva que tinha.

Este final ainda deu para sentir um pouco mais desta terra africana.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Conversas

Passados dias já estava eu numa Of. LP a trabalhar com colaboradores. Estávamos a catalogar os livros para ser mais fácil a sua organização. A oficina ainda se encontrava fechada e nessa tarde tinha ido sozinha para a escola, apenas o Zeca, o motorista da nossa carrinha, me tinha levado até lá.
Puxei um bocado de conversa enquanto só estava eu e um colaborador. Pergunta de curiosa: “És mesmo de Bissau? Tens irmãos? Moras com eles?” Ele lá me foi respondendo mas a conversa não avançou.
Chegaram mais dois colaboradores, ali estávamos… eu e mais três colaboradores a catalogar os livros num silêncio de vergonha. Bem, lá tentei meter conversa: “Então, são mesmo de Bissau? Que terras conhecem além de Bissau?” Muito baixinho ouvi umas respostas. Estava a quebrar gelo… A verdade é que eu com a guilhotina cortava tiras de papel numa mesa, enquanto eles a etiquetavam e colavam com fita-cola noutra mesa. Lembrei-me e confessei “Eu gostava de conhecer Cacheu!” é uma terra que aparece no mapa, mas ainda ignoro o que lá existe.
Tiro certeiro, um colaborador disse: “Para ir para Cacheu tem de passar por Cachungo, a terra dos meus pais! Sabe de onde vem o nome Cacheu?” A conversa, agora sim, tinha arrancado. Pelo que ele disse o nome Cacheu vem de haver poucos habitantes, poucas pessoas. A verdade é que foi essa a minha dedução, não sei se a mais correcta, é que Ca é negação em crioulo. (Se forem a um Nara, uma loja, perguntar “Tem lixívia?”, por exemplo, e responderem “ca tem” significa “Não tem”! É giro, não é?) Então, Cá é não e tcheu é muito, logo penso que que Cacheu é não muitos! A conversa desenrolou e adorei. Falaram-me das suas etnias. Dois eram fulas e contaram que o nome tem origem em guerrilhas com outras etnias em que diziam que os homens valiam por dois, pois no outro dialecto/ língua étnica fula significa dois.
Perguntei a origem de Bissau, eles responderam que vinha de uma mulher da etnia papel. Quando os portugueses atracaram em terra falaram com a mulher ela como só falava papel, respondeu Guiné e Bissau.
Falaram do Iram um espírito ou força ao qual se pode fazer promessas e se tem de cumprir, pois pode-se vingar. Ainda não sei muito acerca da crença… mas as histórias são míticas e de uma beleza!
Esclareceram que tinham a sua religião, um era cristão e os outros muçulmanos. Lancei mais uma pergunta curiosa e traiçoeira ”e vocês dão-se todos bem?”. Eis a resposta que me deixou de boca aberta: “Claro, o Deus é o mesmo!”
Foi o primeiro dia que me senti mesmo na Guiné, nada como falar com os da terra para pisar a terra com os dois pés.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Danças...

No sábado à tarde que fui ao Bandim, desloquei-me com mais colegas a Lala Quema, ao lugar onde ia actuar o grupo de dança tradicional do qual uma colaboradora fazia parte. Antes da hora combinada, a colaboradora apareceu no nosso prédio, reunimo-nos e fomos de Toca-Toca.

Toca-Toca são carrinhas que funcionam como autocarros públicos. Do tamanho das carrinhas de nove lugares, apenas têm bancos corridos laterais, em que cabe sempre mais uma pessoa, ou seja, pára-se entra mais um e empurra um bocadinho para o lado para se sentar.

Tivemos sorte, encontrámos um Toca-Toca vazio que os funcionários iam almoçar! Pedimos para nos levar para Lala Quema por 1000 francos, éramos 7 e geralmente paga-se 100 francos por pessoa, mas como estávamos a pedir algo fora do roteiro lá demos mais um bocadinho.

Chegados ao sítio sentámo-nos, esperámos sentados no tronco de árvore deitado que estava no chão. As pessoas que estavam em casa trouxeram cadeiras, aceitámos sentar-nos só para não fazer a desfeita.

Vimos miúdos que teriam por volta de 3 anos a brincar no chão de terra, um mais velhinho a tentar andar de bicicleta e quase atropelava outro. Estava também um senhor a costurar em tecido. Um senhor de 70 anos veio falar connosco, perguntou a nossa idade e de quem éramos filhos… ele viveu a guerra, ou melhor as guerras, a colonial e a civil. Não temos bem a noção mas só há 30 e poucos anos é que os portugueses saíram daqui, há 10 houve uma guerra civil e no ano 2009 assassinaram o presidente. Esta gente não é feita de barro ou porcelana… É difícil pormo-nos na sua pele!

Dirigimo-nos para a clareira, a Lala Quema. De repente estávamos rodeados de crianças a olharem-nos. Trouxeram cadeiras para nos sentarmos. Senti-me alguém no camarote VIP. Mudaram as gigantescas colunas para mais perto de nós e tínhamos imensos pares de olhos na nossa direcção. Uma colega comentou que se sentia uma montra, pelo modo como nos olhavam… eu não sei… mas imaginei que deve ser essa a sensação de uma rainha ou de alguém muito importante num sítio público… não é uma sensação muito agradável de facto.

Fez-se uma enorme roda de gente… enorme mesmo. Com recurso a microfónes explicaram que era um festival para festejar os 9 anos da associação “Netos do Bandim”, referiram que estavam presentes outros grupos de dança tradicional amigos e que nos fins-de-semana seguintes haveriam mais espectáculos para assinalar o mês comemorativo.

Dançou-se… ao som de djambé, um outro instrumento que era meia cabaça em cima de uma bacia com água, onde se batia e saltava água para fora, bater de paus e outro instrumento em forma de quadrado e com pele.

A dança é dura, um bater de pés no chão forte, que quem estava sentado sentia a vibração nos pés. Ao dançar inclinam-se um pouco para a frente e fazem de conta que têm um pano nas mãos, mas quando o têm abanam de um lado para o outro. Porém, julgo que o essencial da dança é mesmo a batida dos pés. É uma dança que lembra a guerra.

Eu estava sentada, com um pé elástico por ainda não ter o pé totalmente curado, um dançarino chamou-me mas indiquei o pé, ele dançou virado para mim e depois virou costas e deu uma última mirada a fazer uma careta… foi realmente engraçado!

Depois falei com uma outra dançarina, perguntei o nome de um instrumento. Ela não pode dizer logo porque foi cantar. Noutra dança ela entregou-me o lenço e eu fui dançar para o meio daquele bater de pés, aí não pude recusar… mas não era a dança mais indicada para o meu pé em suposta fase de repouso.

Anoiteceu, foi um anoitecer mágico ao ritmo de danças guineenses!

Voltamos em Toca-Tocas diferentes, pois era difícil encontrar um onde coubéssemos os 7. Fomos num apinhado de gente e ainda fui no colo de uma colega.

O Toca-Toca apenas nos levou até à chapa. Um local onde dizem que se pagava uma chapa para se poder entrar na cidade, ou no centro da cidade. A partir daí fomos de táxi até casa.

domingo, 29 de novembro de 2009

Bandim..

Na 6.ªf durante a formação de colaboradores, uma colaboradora convidou-nos para ir assistir a um espectáculo/festival de danças tradicionais. Ela fazia parte de um grupo cultural de dança tradicional guineense “Os netos do Bandim”. Ela explicou-me que iria ser em Lala Quema e combinámos a hora.
Nessa tarde, falei com outro guineense e perguntei-lhe o que era Lala Quema, que pelo que a colaboradora me tinha dito, eu tinha percebido,era uma baía. Estava completamente errada, a comunicação aqui às vezes torna-se complicada, porque nem sempre os intervenientes se compreendem. Afinal, Lala Quema equipara-se a uma clareira, uma zona de mato queimado, já sem nada. Disseram-me também que era um bom local para guerrilhar, porque não tem árvores, os combatentes não se podem esconder nas árvores e por isso têm de disparar deitados no chão. Segundo o que ouvi isto seria um “bom espaço”, dado que os guineenses têm facilidade em atirar nesta posição. A guerra ainda se encontra presente nas memórias…
Na manhã do dia do festival fui ao Bandim.
Bem, que confusão!
O Bandim é um mercado, onde há de tudo, desde peles de animais, carne, tecidos, coisas para casa, a telemóveis, geradores. Fica numa grande avenida, nas margens e prolonga-se… Na avenida há duas grandes faixas, separadas por uma vala. Nos cruzamentos dessa avenida existe uma casotita onde fica um polícia a dar ordens de passagem dos carros nas horas de ponta. Já ouvi dizer que havia sítios de passagem, géneros de passadeiras, mas nunca as vi. Escusado será dizer que não há semáforos, os polícias desempenham essa função.
Nas margens das estradas estão várias lojas em casas, mesmo. Há imensas tendas, pessoas a vender com os produtos nas mãos e também várias coisas distribuídas no chão também para venda. Entrei numa das lojas com vários produtos de plástico na parte de fora, comprei um escorredor. Fiz mais uma compra antes de entrar no coração do Bandim, se não foi o coração foi noutro órgão qualquer, mas entrei de verdade no Bandim. Imensas tendas, com corredores onde só passam duas pessoas ao lado uma da outra. As tendas mal têm luz. Quando se dá conta está-se num género de casas, pois o chão já é de cimento, tem-se adobo a separar as lojas e o tecto é telhas de plástico que permitem entrar uns pequenos raios de luz solar.
Entrámos numa casa onde só havia uma mini janela e um buraco onde supostamente deveria estar a porta. Não havia luz. Estávamos num armazém onde havia panos empilhados desde o chão até ao tecto. Mais de uma dezena de homens encontrava-se lá dentro, mostravam os tecidos e cercavam-nos.
As minhas colegas e eu olhávamos para os tecidos, senti-me sufocada… desviei-me um pouco quando elas foram a um canto do pequeno compartimento ver uns tecidos. Mais homens mostravam-me tecidos enquanto eu abanava acabeça. Olhei para ver as minhas colegas, naqueles 5 metros quadrados, já não as via. A minha capacidade só dava para observar homens a um canto, género lobos a cercar uma presa. Sentia-me um pouco sufocada… mas acreditava que aqueles homens só queriam vender. Saímos de esse armazém com uma peça comprada, fomos a outro, imensamente escuro ,mas mais largo e sem tantos lobos a cercar. Continuamos a caminhar por entre os corredores labirínticos do Bandim, com piso irregular, ora terra, ora cimento, ora buraco, ora degrau.
Andámos e comprámos tecidos ali e acolá, para fazer cortinas ou para mais tarde ir ao costureiro fazer uma peça de roupa. Vimos imensa roupa, muitas esperas, um vestido feminino imensamente colorido mas simples e de baixo estatuto social, vimos roupa de muçulmanos… imensa roupa com bordados brilhantes em tecidos com cores vivas.
Até que entrámos num mini-mercado, imaginam o super das aldeias portuguesas? Bem é do género, mas com os preços mais caros.
Ainda comprámos fruta na rua, mini tomates vendidos aos molhinhos. Uma senhora que estava a vender fruta disse para eu esconder o dinheiro.
Sim, o Bandim é uma marca de Bissau. É onde se encontra tudo, imagino que seja fonte de rendimento de muitas famílias… mas é também um sítio perigoso e com muitos assaltos. Há corredores onde só passam duas pessoas a tocarem-se, logo, zonas com muita confusão há profissionais de tirar objectos. Nunca ouvi histórias de assaltos no Bandim com ameaças, mas soube que colegas meus ficaram sem o telemóvel neste mercado.
Então, regra n.º1 para ir ao Bandim, nada de objectos pessoais preciosos e dinheiro sempre escondido… mas posso acrescentar mais regras: calçado desportivo por causa do piso e fechado para não molhar os pés em certos locais, nada de roupa larga, quanto mais justa for melhor se sente se alguém está a ir ao bolso, nem pensar em colares ou brincos, podem pedir emprestados… enfim acho que já dá para imaginar o cenário.

domingo, 22 de novembro de 2009

Dia com chuva quente...




No dia seguinte a eu ter tirado o gesso, fui com colegas ao Ponto D’encontro. Estivemos lá um bom bocado a conversar. Passado algum tempo, olhámos para a rua e chovia, chovia, chovia…. Com uma intensidade que nenhum de nós se sentia com vontade de regressar a casa. A rua parecia um rio com uma forte corrente. Só os jipes circulavam na estrada! Vimos algumas pessoas a andar à chuva, com os chinelos nas mãos, saco de plástico na cabeça (os oleados, é como chamam aos sacos de plástico) e água quase pelos joelhos. E mesmo a chover com tal intensidade… um calor gostoso!
Daquela janela do café também dava para ver a alegria de uns rapazitos a molharem-se na chuva. Eles estavam a tomar banho! Por baixo de um telhado, pelos canos onde a água é escoada, estava um chuveiro que deveria ter imensa pressão. Ora um rapaz, ora outro debaixo daquela torneira de água, aberta no máximo, com certeza. Um rapazito estava nu e dava pulos debaixo da água. Que alegria, que riqueza!
Alguns colegas meus não resistiram, tiveram de ir buscar a máquina a casa para tirar fotos! E… um trovão, ora outro e mais outro. Trovejava e chovia e nós ainda dentro do café!
Como este café tem ligação ao nosso prédio por uma porta, pedimos aos funcionários que nos abrissem. Ela costuma estar trancada à chave, uma vez que essa passagem nunca é usada. Depois de pagar, um senhor de olhos azuis, chamou-me, falou comigo. Foi engraçado, não estava a perceber nada do que ele dizia e ele era branco! Passado alguns segundos, percebi-o. Era britânico, apontava para a minha perna, dizia que eu tinha de fazer exercícios, perguntou se eu tinha fisioterapia. Após muitos gestos consegui explicar que tinha partido o pé e não o tornozelo e ele aconselhou-me a andar e a subir escadas devagar e, durante dois meses, ter imenso cuidado, não correr, por exemplo. (Este conselho é super fácil de cumprir, se eu correr só haverá duas explicações razoáveis ou estou a fugir ou vou apanhar um comboio e na Guiné não há linha ferroviária). O senhor foi extremamente simpático! Outro homem que estava sentado noutra mesa disse-me que eu estava a falar com um paramédico.
Já no prédio, juntamo-nos vários colegas à varanda a ver a chuva e a trovoada. Comentávamos que a 4L ainda poderia ser puxada pela corrente, imaginamos que estaria encharcada por dentro. A verdade é que no dai seguinte, já sem vestígios da chuva, a 4L custou a pegar.
Nessa mesma noite, fiquei com uma colega a preparar a formação de informática quase até às 2horas da manhã. A formação é para os colaboradores das Oficinas em Língua Portuguesa. São os tais guineenses voluntários que tratam das oficinas, abrem-nas, verificam se estão em ordem, ajudam os utentes das oficinas, são responsáveis pelo bom funcionamento desses centros de recursos. Como vão abrir mais Of. LP é necessário formar colaboradores, para eles saberem as regras e também poderem gerir e tirar o melhor proveito das oficinas. Os colaboradores não ganham nada, a não ser poder usufruir todos os recursos que lá houver. Além disso, estamos a tentar arranjar um fundo de maneio para eles terem direito ao pequeno-almoço, caso vão de manhã, ou lanche, caso estejam na oficina à tarde.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Partida para um sonho

Foi em busca de um sonho que quis percorrer meio Portugal com perna engessada. Dias mais tarde voei para um continente, ainda com gesso num pé e duas canadianas à procura desse mesmo sonho.
No ar sentia-se uma turbulência enorme... ao meu lado, uma mulher com a cor de pele linda segurava uma dezena e sussurrava! Passado uns momentos falei com ela, contou-me o que fazia, qual o seu trabalho com um sorriso doce nos lábios. Não precisava de muito para me encantar, era guineense, um povo que ansiava conhecer.
Enquanto tentava fechar os olhos, o avião saltava e ouvia-se "A estrada tem buracos!" e de seguida muitos risos!
Só quando aterrei na terra quente me apercebi, a estrada ter buracos é muito normal aqui! Mas estes buracos são especiais, não são negros, nem num castanho escuro, são vermelhos...num vermelho quente.
Alguns colegas esperavam-nos no aeroporto. Estava uma noite escura, só havia luz do aeroporto. Entrei numa carrinha com mais colegas. Um veterano nesta terra tentava explicar:"aqui é uma discoteca..." e saltávamos nos buracos que apareciam!
Entramos na minha casa, linda, europeia. O veterano explicou como funcionava o ar-condicionado, mas encontrava-me tão cansada que pouco percebi!
No dia seguinte, levantamos-nos cedo, fomos ao ponto de encontro, um café europeu, comer uma torrada e um leite achocolatado, um pequeno-almoço, mais uma vez europeu!
As colegas foram impecáveis, andaram connosco, mostraram os mini-mercados que tinham imensos produtos europeus...
Andávamos na carrinha, pois eu continuava com o pé partido! Fizemos algumas compras, as mais necessárias, como água, leite...
Almoçamos com vários colegas, na Senegalesa. Sim, desta vez estava a comer espetadinhas, com sabor africano!
Nos dias que se seguiram conhecemos as várias escolas... eu de pé partido, pouco andava a pé, e ainda não me sentia com os pés bem assentes na terra. Ainda não sentia que estava em África, na Guiné, em Bissau!
Vi as escolas, umas com tectos estragados. Os telhados em metal derretido, lembraram-me uma carpete velha, em tons de castanho imensamente escuro, meia rota e sem passar, estendida no topo das paredes escolares.
Conheci as oficinas em língua portuguesa, bons centros de recursos... veículos para se entrar, viajar e dar asas. Construídos para guineenses com mãos portuguesas e a ser abertas por guineenses, colaboradores deste projecto de cooperação.
Mas ainda não estava satisfeita... aquele cheiro ainda era pouco... Queria beber a cultura, sentir a música, ouvir as histórias... Há um mundo em cada olhar, queria ser um cometa para viajar pelo universo e avistar vários planetas!
Uma peripécia aconteceu, uma colega rachou o lábio. Fiquei a saber depois dela ter ido ao médico e ter levado pontos! Já está melhor!Já tem o seu lábio perfeito.
Passados dias chegou mais um colega, fomos buscá-lo ao aeroporto, chovia e trovejava. A trovoada aqui ganha um encanto... um clarão no meio do mato, de árvores e árvores negras devido à escuridão, ganham vida ao som da chuva!
Com este colega, conhecemos o porto... com um cheiro pestilento de peixe ao sol, vi pescadores a mergulhar numa água azul esverdeada que não convidada a entrar! Andamos por ruas com artesanato, lindo, elaborada, com dedicação. Roupas, pulseiras, estátuas, quadros com cores vivas e paisagens deslumbrantes. Paramos um pouco, o colega tocou jambé e peguei numa cora... nem era preciso saber música para sair um som deslumbrante!
Numa noite fomos a um restaurante tipicamente português, até se cantou o fado. Para terminar a noite, ainda dançamos num bar... o ambiente era quente e dançou-se desde kizomba a Shakira!
No domingo, ouvi falar um pouco mais da Guiné, das etnias... de algumas histórias... fiquei ansiosa por saber mais! Alguns colegas conhecem a cultura, sabem...
Conheci mais escolas... prestei mais atenção à rica vegetação, palmeiras em leque, nunca havia visto!
Fui apresentada a mais directores, mas cuja cara tinha dificuldade em fixar!
Numa tarde fui a um café guineense com colegas, vieram caipirinhas, cervejas e sumos para a mesa! Cantamos, dançou-se! Conhecemos um senegalês que comunicava connosco em francês!Vi os copos a serem lavados... realmente aqui devem ganhar resistências bem grandes... o passar por água, sabe-se lá que água é e quantos copos por ela passaram, já está lavado!
Noutra noite fui a um evento, vi danças tradicionais, cantares e música nacional! Perguntei-me até que ponto seria natural, ou seria para turista ver... Não perdi muito tempo a pensar deliciei-me a ouvir e ver... com insectos a chover em cima de mim e depois descobrir que tinha um gafanhoto dentro das calças!
Na noite seguinte, fui a um restaurante bar ouvir música ao vivo. Que delícia... a temperatura quente, música de fundo, numa língua que nada percebia... na rua com um guarda-sol de palha(julgo eu). Ouvi mais histórias, conheci um pouquito mais da cultura...mas ainda sabe a pouco! Tenho de entrar na selva!
Já tirei o gesso... já andei, já prestei mais atenção às pessoas com quem me cruzo, em vez de observar o chão onde colocava as canadianas... mas ainda olho bastante para este chão vermelho para não forçar o pé! Este chão vermelho, que quero ver melhor e ser contagiada... olhando também para o verde forte e vivo nas árvores que tocam o céu!
Eu ainda sonho em saber o que é ser guineense e um dia descobrir o que é ser africano... tenho tempo, julgo eu!
Uma grande batalha que comecei com o pé partido e forçosamente com o pé direito, já que o esquerdo partido estava!