domingo, 29 de novembro de 2009

Bandim..

Na 6.ªf durante a formação de colaboradores, uma colaboradora convidou-nos para ir assistir a um espectáculo/festival de danças tradicionais. Ela fazia parte de um grupo cultural de dança tradicional guineense “Os netos do Bandim”. Ela explicou-me que iria ser em Lala Quema e combinámos a hora.
Nessa tarde, falei com outro guineense e perguntei-lhe o que era Lala Quema, que pelo que a colaboradora me tinha dito, eu tinha percebido,era uma baía. Estava completamente errada, a comunicação aqui às vezes torna-se complicada, porque nem sempre os intervenientes se compreendem. Afinal, Lala Quema equipara-se a uma clareira, uma zona de mato queimado, já sem nada. Disseram-me também que era um bom local para guerrilhar, porque não tem árvores, os combatentes não se podem esconder nas árvores e por isso têm de disparar deitados no chão. Segundo o que ouvi isto seria um “bom espaço”, dado que os guineenses têm facilidade em atirar nesta posição. A guerra ainda se encontra presente nas memórias…
Na manhã do dia do festival fui ao Bandim.
Bem, que confusão!
O Bandim é um mercado, onde há de tudo, desde peles de animais, carne, tecidos, coisas para casa, a telemóveis, geradores. Fica numa grande avenida, nas margens e prolonga-se… Na avenida há duas grandes faixas, separadas por uma vala. Nos cruzamentos dessa avenida existe uma casotita onde fica um polícia a dar ordens de passagem dos carros nas horas de ponta. Já ouvi dizer que havia sítios de passagem, géneros de passadeiras, mas nunca as vi. Escusado será dizer que não há semáforos, os polícias desempenham essa função.
Nas margens das estradas estão várias lojas em casas, mesmo. Há imensas tendas, pessoas a vender com os produtos nas mãos e também várias coisas distribuídas no chão também para venda. Entrei numa das lojas com vários produtos de plástico na parte de fora, comprei um escorredor. Fiz mais uma compra antes de entrar no coração do Bandim, se não foi o coração foi noutro órgão qualquer, mas entrei de verdade no Bandim. Imensas tendas, com corredores onde só passam duas pessoas ao lado uma da outra. As tendas mal têm luz. Quando se dá conta está-se num género de casas, pois o chão já é de cimento, tem-se adobo a separar as lojas e o tecto é telhas de plástico que permitem entrar uns pequenos raios de luz solar.
Entrámos numa casa onde só havia uma mini janela e um buraco onde supostamente deveria estar a porta. Não havia luz. Estávamos num armazém onde havia panos empilhados desde o chão até ao tecto. Mais de uma dezena de homens encontrava-se lá dentro, mostravam os tecidos e cercavam-nos.
As minhas colegas e eu olhávamos para os tecidos, senti-me sufocada… desviei-me um pouco quando elas foram a um canto do pequeno compartimento ver uns tecidos. Mais homens mostravam-me tecidos enquanto eu abanava acabeça. Olhei para ver as minhas colegas, naqueles 5 metros quadrados, já não as via. A minha capacidade só dava para observar homens a um canto, género lobos a cercar uma presa. Sentia-me um pouco sufocada… mas acreditava que aqueles homens só queriam vender. Saímos de esse armazém com uma peça comprada, fomos a outro, imensamente escuro ,mas mais largo e sem tantos lobos a cercar. Continuamos a caminhar por entre os corredores labirínticos do Bandim, com piso irregular, ora terra, ora cimento, ora buraco, ora degrau.
Andámos e comprámos tecidos ali e acolá, para fazer cortinas ou para mais tarde ir ao costureiro fazer uma peça de roupa. Vimos imensa roupa, muitas esperas, um vestido feminino imensamente colorido mas simples e de baixo estatuto social, vimos roupa de muçulmanos… imensa roupa com bordados brilhantes em tecidos com cores vivas.
Até que entrámos num mini-mercado, imaginam o super das aldeias portuguesas? Bem é do género, mas com os preços mais caros.
Ainda comprámos fruta na rua, mini tomates vendidos aos molhinhos. Uma senhora que estava a vender fruta disse para eu esconder o dinheiro.
Sim, o Bandim é uma marca de Bissau. É onde se encontra tudo, imagino que seja fonte de rendimento de muitas famílias… mas é também um sítio perigoso e com muitos assaltos. Há corredores onde só passam duas pessoas a tocarem-se, logo, zonas com muita confusão há profissionais de tirar objectos. Nunca ouvi histórias de assaltos no Bandim com ameaças, mas soube que colegas meus ficaram sem o telemóvel neste mercado.
Então, regra n.º1 para ir ao Bandim, nada de objectos pessoais preciosos e dinheiro sempre escondido… mas posso acrescentar mais regras: calçado desportivo por causa do piso e fechado para não molhar os pés em certos locais, nada de roupa larga, quanto mais justa for melhor se sente se alguém está a ir ao bolso, nem pensar em colares ou brincos, podem pedir emprestados… enfim acho que já dá para imaginar o cenário.

domingo, 22 de novembro de 2009

Dia com chuva quente...




No dia seguinte a eu ter tirado o gesso, fui com colegas ao Ponto D’encontro. Estivemos lá um bom bocado a conversar. Passado algum tempo, olhámos para a rua e chovia, chovia, chovia…. Com uma intensidade que nenhum de nós se sentia com vontade de regressar a casa. A rua parecia um rio com uma forte corrente. Só os jipes circulavam na estrada! Vimos algumas pessoas a andar à chuva, com os chinelos nas mãos, saco de plástico na cabeça (os oleados, é como chamam aos sacos de plástico) e água quase pelos joelhos. E mesmo a chover com tal intensidade… um calor gostoso!
Daquela janela do café também dava para ver a alegria de uns rapazitos a molharem-se na chuva. Eles estavam a tomar banho! Por baixo de um telhado, pelos canos onde a água é escoada, estava um chuveiro que deveria ter imensa pressão. Ora um rapaz, ora outro debaixo daquela torneira de água, aberta no máximo, com certeza. Um rapazito estava nu e dava pulos debaixo da água. Que alegria, que riqueza!
Alguns colegas meus não resistiram, tiveram de ir buscar a máquina a casa para tirar fotos! E… um trovão, ora outro e mais outro. Trovejava e chovia e nós ainda dentro do café!
Como este café tem ligação ao nosso prédio por uma porta, pedimos aos funcionários que nos abrissem. Ela costuma estar trancada à chave, uma vez que essa passagem nunca é usada. Depois de pagar, um senhor de olhos azuis, chamou-me, falou comigo. Foi engraçado, não estava a perceber nada do que ele dizia e ele era branco! Passado alguns segundos, percebi-o. Era britânico, apontava para a minha perna, dizia que eu tinha de fazer exercícios, perguntou se eu tinha fisioterapia. Após muitos gestos consegui explicar que tinha partido o pé e não o tornozelo e ele aconselhou-me a andar e a subir escadas devagar e, durante dois meses, ter imenso cuidado, não correr, por exemplo. (Este conselho é super fácil de cumprir, se eu correr só haverá duas explicações razoáveis ou estou a fugir ou vou apanhar um comboio e na Guiné não há linha ferroviária). O senhor foi extremamente simpático! Outro homem que estava sentado noutra mesa disse-me que eu estava a falar com um paramédico.
Já no prédio, juntamo-nos vários colegas à varanda a ver a chuva e a trovoada. Comentávamos que a 4L ainda poderia ser puxada pela corrente, imaginamos que estaria encharcada por dentro. A verdade é que no dai seguinte, já sem vestígios da chuva, a 4L custou a pegar.
Nessa mesma noite, fiquei com uma colega a preparar a formação de informática quase até às 2horas da manhã. A formação é para os colaboradores das Oficinas em Língua Portuguesa. São os tais guineenses voluntários que tratam das oficinas, abrem-nas, verificam se estão em ordem, ajudam os utentes das oficinas, são responsáveis pelo bom funcionamento desses centros de recursos. Como vão abrir mais Of. LP é necessário formar colaboradores, para eles saberem as regras e também poderem gerir e tirar o melhor proveito das oficinas. Os colaboradores não ganham nada, a não ser poder usufruir todos os recursos que lá houver. Além disso, estamos a tentar arranjar um fundo de maneio para eles terem direito ao pequeno-almoço, caso vão de manhã, ou lanche, caso estejam na oficina à tarde.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Partida para um sonho

Foi em busca de um sonho que quis percorrer meio Portugal com perna engessada. Dias mais tarde voei para um continente, ainda com gesso num pé e duas canadianas à procura desse mesmo sonho.
No ar sentia-se uma turbulência enorme... ao meu lado, uma mulher com a cor de pele linda segurava uma dezena e sussurrava! Passado uns momentos falei com ela, contou-me o que fazia, qual o seu trabalho com um sorriso doce nos lábios. Não precisava de muito para me encantar, era guineense, um povo que ansiava conhecer.
Enquanto tentava fechar os olhos, o avião saltava e ouvia-se "A estrada tem buracos!" e de seguida muitos risos!
Só quando aterrei na terra quente me apercebi, a estrada ter buracos é muito normal aqui! Mas estes buracos são especiais, não são negros, nem num castanho escuro, são vermelhos...num vermelho quente.
Alguns colegas esperavam-nos no aeroporto. Estava uma noite escura, só havia luz do aeroporto. Entrei numa carrinha com mais colegas. Um veterano nesta terra tentava explicar:"aqui é uma discoteca..." e saltávamos nos buracos que apareciam!
Entramos na minha casa, linda, europeia. O veterano explicou como funcionava o ar-condicionado, mas encontrava-me tão cansada que pouco percebi!
No dia seguinte, levantamos-nos cedo, fomos ao ponto de encontro, um café europeu, comer uma torrada e um leite achocolatado, um pequeno-almoço, mais uma vez europeu!
As colegas foram impecáveis, andaram connosco, mostraram os mini-mercados que tinham imensos produtos europeus...
Andávamos na carrinha, pois eu continuava com o pé partido! Fizemos algumas compras, as mais necessárias, como água, leite...
Almoçamos com vários colegas, na Senegalesa. Sim, desta vez estava a comer espetadinhas, com sabor africano!
Nos dias que se seguiram conhecemos as várias escolas... eu de pé partido, pouco andava a pé, e ainda não me sentia com os pés bem assentes na terra. Ainda não sentia que estava em África, na Guiné, em Bissau!
Vi as escolas, umas com tectos estragados. Os telhados em metal derretido, lembraram-me uma carpete velha, em tons de castanho imensamente escuro, meia rota e sem passar, estendida no topo das paredes escolares.
Conheci as oficinas em língua portuguesa, bons centros de recursos... veículos para se entrar, viajar e dar asas. Construídos para guineenses com mãos portuguesas e a ser abertas por guineenses, colaboradores deste projecto de cooperação.
Mas ainda não estava satisfeita... aquele cheiro ainda era pouco... Queria beber a cultura, sentir a música, ouvir as histórias... Há um mundo em cada olhar, queria ser um cometa para viajar pelo universo e avistar vários planetas!
Uma peripécia aconteceu, uma colega rachou o lábio. Fiquei a saber depois dela ter ido ao médico e ter levado pontos! Já está melhor!Já tem o seu lábio perfeito.
Passados dias chegou mais um colega, fomos buscá-lo ao aeroporto, chovia e trovejava. A trovoada aqui ganha um encanto... um clarão no meio do mato, de árvores e árvores negras devido à escuridão, ganham vida ao som da chuva!
Com este colega, conhecemos o porto... com um cheiro pestilento de peixe ao sol, vi pescadores a mergulhar numa água azul esverdeada que não convidada a entrar! Andamos por ruas com artesanato, lindo, elaborada, com dedicação. Roupas, pulseiras, estátuas, quadros com cores vivas e paisagens deslumbrantes. Paramos um pouco, o colega tocou jambé e peguei numa cora... nem era preciso saber música para sair um som deslumbrante!
Numa noite fomos a um restaurante tipicamente português, até se cantou o fado. Para terminar a noite, ainda dançamos num bar... o ambiente era quente e dançou-se desde kizomba a Shakira!
No domingo, ouvi falar um pouco mais da Guiné, das etnias... de algumas histórias... fiquei ansiosa por saber mais! Alguns colegas conhecem a cultura, sabem...
Conheci mais escolas... prestei mais atenção à rica vegetação, palmeiras em leque, nunca havia visto!
Fui apresentada a mais directores, mas cuja cara tinha dificuldade em fixar!
Numa tarde fui a um café guineense com colegas, vieram caipirinhas, cervejas e sumos para a mesa! Cantamos, dançou-se! Conhecemos um senegalês que comunicava connosco em francês!Vi os copos a serem lavados... realmente aqui devem ganhar resistências bem grandes... o passar por água, sabe-se lá que água é e quantos copos por ela passaram, já está lavado!
Noutra noite fui a um evento, vi danças tradicionais, cantares e música nacional! Perguntei-me até que ponto seria natural, ou seria para turista ver... Não perdi muito tempo a pensar deliciei-me a ouvir e ver... com insectos a chover em cima de mim e depois descobrir que tinha um gafanhoto dentro das calças!
Na noite seguinte, fui a um restaurante bar ouvir música ao vivo. Que delícia... a temperatura quente, música de fundo, numa língua que nada percebia... na rua com um guarda-sol de palha(julgo eu). Ouvi mais histórias, conheci um pouquito mais da cultura...mas ainda sabe a pouco! Tenho de entrar na selva!
Já tirei o gesso... já andei, já prestei mais atenção às pessoas com quem me cruzo, em vez de observar o chão onde colocava as canadianas... mas ainda olho bastante para este chão vermelho para não forçar o pé! Este chão vermelho, que quero ver melhor e ser contagiada... olhando também para o verde forte e vivo nas árvores que tocam o céu!
Eu ainda sonho em saber o que é ser guineense e um dia descobrir o que é ser africano... tenho tempo, julgo eu!
Uma grande batalha que comecei com o pé partido e forçosamente com o pé direito, já que o esquerdo partido estava!