domingo, 17 de janeiro de 2010

Conversas

Passados dias já estava eu numa Of. LP a trabalhar com colaboradores. Estávamos a catalogar os livros para ser mais fácil a sua organização. A oficina ainda se encontrava fechada e nessa tarde tinha ido sozinha para a escola, apenas o Zeca, o motorista da nossa carrinha, me tinha levado até lá.
Puxei um bocado de conversa enquanto só estava eu e um colaborador. Pergunta de curiosa: “És mesmo de Bissau? Tens irmãos? Moras com eles?” Ele lá me foi respondendo mas a conversa não avançou.
Chegaram mais dois colaboradores, ali estávamos… eu e mais três colaboradores a catalogar os livros num silêncio de vergonha. Bem, lá tentei meter conversa: “Então, são mesmo de Bissau? Que terras conhecem além de Bissau?” Muito baixinho ouvi umas respostas. Estava a quebrar gelo… A verdade é que eu com a guilhotina cortava tiras de papel numa mesa, enquanto eles a etiquetavam e colavam com fita-cola noutra mesa. Lembrei-me e confessei “Eu gostava de conhecer Cacheu!” é uma terra que aparece no mapa, mas ainda ignoro o que lá existe.
Tiro certeiro, um colaborador disse: “Para ir para Cacheu tem de passar por Cachungo, a terra dos meus pais! Sabe de onde vem o nome Cacheu?” A conversa, agora sim, tinha arrancado. Pelo que ele disse o nome Cacheu vem de haver poucos habitantes, poucas pessoas. A verdade é que foi essa a minha dedução, não sei se a mais correcta, é que Ca é negação em crioulo. (Se forem a um Nara, uma loja, perguntar “Tem lixívia?”, por exemplo, e responderem “ca tem” significa “Não tem”! É giro, não é?) Então, Cá é não e tcheu é muito, logo penso que que Cacheu é não muitos! A conversa desenrolou e adorei. Falaram-me das suas etnias. Dois eram fulas e contaram que o nome tem origem em guerrilhas com outras etnias em que diziam que os homens valiam por dois, pois no outro dialecto/ língua étnica fula significa dois.
Perguntei a origem de Bissau, eles responderam que vinha de uma mulher da etnia papel. Quando os portugueses atracaram em terra falaram com a mulher ela como só falava papel, respondeu Guiné e Bissau.
Falaram do Iram um espírito ou força ao qual se pode fazer promessas e se tem de cumprir, pois pode-se vingar. Ainda não sei muito acerca da crença… mas as histórias são míticas e de uma beleza!
Esclareceram que tinham a sua religião, um era cristão e os outros muçulmanos. Lancei mais uma pergunta curiosa e traiçoeira ”e vocês dão-se todos bem?”. Eis a resposta que me deixou de boca aberta: “Claro, o Deus é o mesmo!”
Foi o primeiro dia que me senti mesmo na Guiné, nada como falar com os da terra para pisar a terra com os dois pés.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Danças...

No sábado à tarde que fui ao Bandim, desloquei-me com mais colegas a Lala Quema, ao lugar onde ia actuar o grupo de dança tradicional do qual uma colaboradora fazia parte. Antes da hora combinada, a colaboradora apareceu no nosso prédio, reunimo-nos e fomos de Toca-Toca.

Toca-Toca são carrinhas que funcionam como autocarros públicos. Do tamanho das carrinhas de nove lugares, apenas têm bancos corridos laterais, em que cabe sempre mais uma pessoa, ou seja, pára-se entra mais um e empurra um bocadinho para o lado para se sentar.

Tivemos sorte, encontrámos um Toca-Toca vazio que os funcionários iam almoçar! Pedimos para nos levar para Lala Quema por 1000 francos, éramos 7 e geralmente paga-se 100 francos por pessoa, mas como estávamos a pedir algo fora do roteiro lá demos mais um bocadinho.

Chegados ao sítio sentámo-nos, esperámos sentados no tronco de árvore deitado que estava no chão. As pessoas que estavam em casa trouxeram cadeiras, aceitámos sentar-nos só para não fazer a desfeita.

Vimos miúdos que teriam por volta de 3 anos a brincar no chão de terra, um mais velhinho a tentar andar de bicicleta e quase atropelava outro. Estava também um senhor a costurar em tecido. Um senhor de 70 anos veio falar connosco, perguntou a nossa idade e de quem éramos filhos… ele viveu a guerra, ou melhor as guerras, a colonial e a civil. Não temos bem a noção mas só há 30 e poucos anos é que os portugueses saíram daqui, há 10 houve uma guerra civil e no ano 2009 assassinaram o presidente. Esta gente não é feita de barro ou porcelana… É difícil pormo-nos na sua pele!

Dirigimo-nos para a clareira, a Lala Quema. De repente estávamos rodeados de crianças a olharem-nos. Trouxeram cadeiras para nos sentarmos. Senti-me alguém no camarote VIP. Mudaram as gigantescas colunas para mais perto de nós e tínhamos imensos pares de olhos na nossa direcção. Uma colega comentou que se sentia uma montra, pelo modo como nos olhavam… eu não sei… mas imaginei que deve ser essa a sensação de uma rainha ou de alguém muito importante num sítio público… não é uma sensação muito agradável de facto.

Fez-se uma enorme roda de gente… enorme mesmo. Com recurso a microfónes explicaram que era um festival para festejar os 9 anos da associação “Netos do Bandim”, referiram que estavam presentes outros grupos de dança tradicional amigos e que nos fins-de-semana seguintes haveriam mais espectáculos para assinalar o mês comemorativo.

Dançou-se… ao som de djambé, um outro instrumento que era meia cabaça em cima de uma bacia com água, onde se batia e saltava água para fora, bater de paus e outro instrumento em forma de quadrado e com pele.

A dança é dura, um bater de pés no chão forte, que quem estava sentado sentia a vibração nos pés. Ao dançar inclinam-se um pouco para a frente e fazem de conta que têm um pano nas mãos, mas quando o têm abanam de um lado para o outro. Porém, julgo que o essencial da dança é mesmo a batida dos pés. É uma dança que lembra a guerra.

Eu estava sentada, com um pé elástico por ainda não ter o pé totalmente curado, um dançarino chamou-me mas indiquei o pé, ele dançou virado para mim e depois virou costas e deu uma última mirada a fazer uma careta… foi realmente engraçado!

Depois falei com uma outra dançarina, perguntei o nome de um instrumento. Ela não pode dizer logo porque foi cantar. Noutra dança ela entregou-me o lenço e eu fui dançar para o meio daquele bater de pés, aí não pude recusar… mas não era a dança mais indicada para o meu pé em suposta fase de repouso.

Anoiteceu, foi um anoitecer mágico ao ritmo de danças guineenses!

Voltamos em Toca-Tocas diferentes, pois era difícil encontrar um onde coubéssemos os 7. Fomos num apinhado de gente e ainda fui no colo de uma colega.

O Toca-Toca apenas nos levou até à chapa. Um local onde dizem que se pagava uma chapa para se poder entrar na cidade, ou no centro da cidade. A partir daí fomos de táxi até casa.