quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um dia de trabalho e um pouco de lazer

Nessa noite tinha dormido muito mal, para dizer a verdade já havia duas noites que dormia pouco e custava a acordar. Fui para a escola, fiz a minha habitual observação. Era dia de entrega de notas já há um mês que tinham iniciado as aulas do 2.º período, mas era neste dia que os pais iam à escola ver os testes de avaliação do período anterior. Eu sentia-me cansada como se tivesse sido atropelada por um camião e anestesiada, com dificuldades em abrir completamente os olhos. Uma professora disse-me que às 10horas vinham os pais receber os testes. A formação de GAP que eu ia dar era às 10h30. Pensei “porque não me disseram mais cedo que ia haver entrega de testes a essa hora… o GAP já não vai ser hoje!” Na formação anterior havia esperado meia hora pela última professora a chegar, obriguei todas a esperar por ela e depois perguntei se sentiam bem estarem sempre atrasadas. Prometeram serem pontuais na sessão seguinte e, o que acontece afinal? Na formação seguinte têm reunião com os pais para entregar as fichas meia hora antes do início da sessão, seria impossível chegaram a horas! Mesmo assim, disse à professora que estaria na Oficina em Língua Portuguesa à espera das professoras para a formação, ela respondeu–me que sim! Esperei 20 minutos, também estava entretida a ler um guia de professores. Uma colaboradora da oficina avisou-me, “As professoras estão lá fora.” Saio da Oficina e vejo algumas professoras sentadas à sombra, ao lado das vendedoras de laranjas e sandes. Fiz-lhes sinal e elas responderam. Voltei para oficina, a pensar “hoje elas têm desculpa, mas agora não estão a fazer nada e viram-me na oficina”. Mais 10 minutos à espera na oficina… bem, conclusão, estou a ser uma completa idiota aqui à espera, mas estou a ler algumas coisas interessantes neste livro, do mal o menor! Volto a sair da oficina, fui falar directamente com as professoras. Ai, santa paciência, explicaram-me que estavam à espera dos pais (sentadas ao lado das vendedoras) e que já iam voltar para as salas. Fui ainda mais directa, “Vai haver formação hoje?”. Sim passei o meu atestado de estupidez, mas já chegava de deduções, queria ouvir da boca delas! Abri mais os olhos ao fazer a pergunta, já estava um sol de rachar, os meus olhos lacrimejaram. Uma das professoras respondeu-me que não ia haver mas podia ficar para o dia seguinte! Questionei as outras acerca dessa proposta, aceitaram. Fui à oficina perguntar se no dia seguinte iria haver alguma actividade naquela hora, não havia, marquei com as professoras.

Fui para casa de boleia com dois colegas, deitei-me na cama, adormeci. Estava mesmo a precisar de descansar!

Acordei, almocei com mais 3 colegas como de costume. No final deliciei-me com o meu capuccino.

No inicio da tarde estive a trabalhar com uma colega. Terminámos o trabalho cedo e decidimos passear por Bissau. Que calor… caminhar às 4 horas da tarde é de loucos… arrependi-me de não ter levado o chapéu! Mas estava a saber bem, raramente passeio por Bissau à semana, é preciso arejar! Fomos até ao porto. Por estranho que pareça, o cheiro não era agradável, mas também não era pestilento… era cheiro de porto. Num caminho com muitos buracos, escamas, restos, lixo atravessamos o paredão! Vendedoras de frutas e legumes, pescadores e peixeiras sentados a verem duas brancas a andar ao sol! Que imagem linda… o verde da água, barcos naufragados e um pedaço de terra verde à nossa frente! Só faltava o sumo natural e o guarda-sol, foi o que eu e que minha colega pensámos. Sentámo-nos num ferro e ali ficámos a olhar o braço de mar! “Vamos ao centro artístico juvenil”, ideia da minha colega que há algum tempo já eu pensava em realizar. Entrámos num táxi, sem saber muito bem se ele tinha percebido onde nós pretendíamos ir. Mais à frente, pára, uma pessoa fala, o taxista abana a cabeça. Não estava interessado no caminho que a outra pessoa gostaria de fazer. Volta a parar, conversa com um indivíduo e entra mais um passageiro para o táxi. Aqui os táxis são mesmo públicos, toda a gente pode entrar até 5 indivíduos. Demos uma volta enorme e eu a pensar “o homem quer ir para um sítio bastante diferente de nós, porque é que o taxista o deixou entrar?” Mas estava redondamente enganada, fomos apenas passear um pouco. Nós fomos as primeiras a sair do táxi, e parámos no local certo. Entrámos no centro artístico juvenil! Tanta estátua negra e castanha num cubículo tão minúsculo. Estátuas de todos os tamanhos, de pau negro e não só, de marfim mesmo! Máscaras penduradas na parede, quadros lindíssimos, mas todo o ambiente em volta muito escuro, nada de muita luz!

O moço que lá estava era bastante simpático fiz uma pergunta acerca de uma estátua muito semelhante à que havia levado para dar ao meu pai. Pergunta puxa pergunta fiquei a saber que: “camachón” (desculpem, mas sinceramente não sei se está bem escrito) é o espírito protector da aldeia da etnia nalú; “nimba” é o espírito protector da mulher, também da etnia nalú; “coni” simboliza a guerra entre o bem e o mal, onde o bem sai vitorioso; existe também um monstrinho, figura humana com uma cobra, simboliza o espírito da justiça, contra a corrupção, da etnia papel de Bissau ou de Biombo. Espero um dia ter fotos porque a estátua mais elegante que gostaria de mostrar é a união de família, que são figuras humanas a formar uma torre unida, muito bonita. Também gostaria de ter maior certeza da forma como se escreve o nome dos espíritos, pois o que consegui foi escrever do modo mais semelhante ao que compreendi, o que pode não ser mais correcto. Mas o mais importante de tudo, é que as estátuas eram lindíssimas, feitas com uma enorme perfeição!

Com esta descoberta estava a ser uma tarde bastante agradável, muito bem passada. Para terminar a tarde, tive de caminhar ao sol quente até casa, atravessar a avenida do Bandim, e o pó que este mercado tem, estava mesmo a precisar de tomar um banho. Cheguei a casa não havia água, tive de me banhar com garrafas de reserva que tinha.

Este final ainda deu para sentir um pouco mais desta terra africana.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Conversas

Passados dias já estava eu numa Of. LP a trabalhar com colaboradores. Estávamos a catalogar os livros para ser mais fácil a sua organização. A oficina ainda se encontrava fechada e nessa tarde tinha ido sozinha para a escola, apenas o Zeca, o motorista da nossa carrinha, me tinha levado até lá.
Puxei um bocado de conversa enquanto só estava eu e um colaborador. Pergunta de curiosa: “És mesmo de Bissau? Tens irmãos? Moras com eles?” Ele lá me foi respondendo mas a conversa não avançou.
Chegaram mais dois colaboradores, ali estávamos… eu e mais três colaboradores a catalogar os livros num silêncio de vergonha. Bem, lá tentei meter conversa: “Então, são mesmo de Bissau? Que terras conhecem além de Bissau?” Muito baixinho ouvi umas respostas. Estava a quebrar gelo… A verdade é que eu com a guilhotina cortava tiras de papel numa mesa, enquanto eles a etiquetavam e colavam com fita-cola noutra mesa. Lembrei-me e confessei “Eu gostava de conhecer Cacheu!” é uma terra que aparece no mapa, mas ainda ignoro o que lá existe.
Tiro certeiro, um colaborador disse: “Para ir para Cacheu tem de passar por Cachungo, a terra dos meus pais! Sabe de onde vem o nome Cacheu?” A conversa, agora sim, tinha arrancado. Pelo que ele disse o nome Cacheu vem de haver poucos habitantes, poucas pessoas. A verdade é que foi essa a minha dedução, não sei se a mais correcta, é que Ca é negação em crioulo. (Se forem a um Nara, uma loja, perguntar “Tem lixívia?”, por exemplo, e responderem “ca tem” significa “Não tem”! É giro, não é?) Então, Cá é não e tcheu é muito, logo penso que que Cacheu é não muitos! A conversa desenrolou e adorei. Falaram-me das suas etnias. Dois eram fulas e contaram que o nome tem origem em guerrilhas com outras etnias em que diziam que os homens valiam por dois, pois no outro dialecto/ língua étnica fula significa dois.
Perguntei a origem de Bissau, eles responderam que vinha de uma mulher da etnia papel. Quando os portugueses atracaram em terra falaram com a mulher ela como só falava papel, respondeu Guiné e Bissau.
Falaram do Iram um espírito ou força ao qual se pode fazer promessas e se tem de cumprir, pois pode-se vingar. Ainda não sei muito acerca da crença… mas as histórias são míticas e de uma beleza!
Esclareceram que tinham a sua religião, um era cristão e os outros muçulmanos. Lancei mais uma pergunta curiosa e traiçoeira ”e vocês dão-se todos bem?”. Eis a resposta que me deixou de boca aberta: “Claro, o Deus é o mesmo!”
Foi o primeiro dia que me senti mesmo na Guiné, nada como falar com os da terra para pisar a terra com os dois pés.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Danças...

No sábado à tarde que fui ao Bandim, desloquei-me com mais colegas a Lala Quema, ao lugar onde ia actuar o grupo de dança tradicional do qual uma colaboradora fazia parte. Antes da hora combinada, a colaboradora apareceu no nosso prédio, reunimo-nos e fomos de Toca-Toca.

Toca-Toca são carrinhas que funcionam como autocarros públicos. Do tamanho das carrinhas de nove lugares, apenas têm bancos corridos laterais, em que cabe sempre mais uma pessoa, ou seja, pára-se entra mais um e empurra um bocadinho para o lado para se sentar.

Tivemos sorte, encontrámos um Toca-Toca vazio que os funcionários iam almoçar! Pedimos para nos levar para Lala Quema por 1000 francos, éramos 7 e geralmente paga-se 100 francos por pessoa, mas como estávamos a pedir algo fora do roteiro lá demos mais um bocadinho.

Chegados ao sítio sentámo-nos, esperámos sentados no tronco de árvore deitado que estava no chão. As pessoas que estavam em casa trouxeram cadeiras, aceitámos sentar-nos só para não fazer a desfeita.

Vimos miúdos que teriam por volta de 3 anos a brincar no chão de terra, um mais velhinho a tentar andar de bicicleta e quase atropelava outro. Estava também um senhor a costurar em tecido. Um senhor de 70 anos veio falar connosco, perguntou a nossa idade e de quem éramos filhos… ele viveu a guerra, ou melhor as guerras, a colonial e a civil. Não temos bem a noção mas só há 30 e poucos anos é que os portugueses saíram daqui, há 10 houve uma guerra civil e no ano 2009 assassinaram o presidente. Esta gente não é feita de barro ou porcelana… É difícil pormo-nos na sua pele!

Dirigimo-nos para a clareira, a Lala Quema. De repente estávamos rodeados de crianças a olharem-nos. Trouxeram cadeiras para nos sentarmos. Senti-me alguém no camarote VIP. Mudaram as gigantescas colunas para mais perto de nós e tínhamos imensos pares de olhos na nossa direcção. Uma colega comentou que se sentia uma montra, pelo modo como nos olhavam… eu não sei… mas imaginei que deve ser essa a sensação de uma rainha ou de alguém muito importante num sítio público… não é uma sensação muito agradável de facto.

Fez-se uma enorme roda de gente… enorme mesmo. Com recurso a microfónes explicaram que era um festival para festejar os 9 anos da associação “Netos do Bandim”, referiram que estavam presentes outros grupos de dança tradicional amigos e que nos fins-de-semana seguintes haveriam mais espectáculos para assinalar o mês comemorativo.

Dançou-se… ao som de djambé, um outro instrumento que era meia cabaça em cima de uma bacia com água, onde se batia e saltava água para fora, bater de paus e outro instrumento em forma de quadrado e com pele.

A dança é dura, um bater de pés no chão forte, que quem estava sentado sentia a vibração nos pés. Ao dançar inclinam-se um pouco para a frente e fazem de conta que têm um pano nas mãos, mas quando o têm abanam de um lado para o outro. Porém, julgo que o essencial da dança é mesmo a batida dos pés. É uma dança que lembra a guerra.

Eu estava sentada, com um pé elástico por ainda não ter o pé totalmente curado, um dançarino chamou-me mas indiquei o pé, ele dançou virado para mim e depois virou costas e deu uma última mirada a fazer uma careta… foi realmente engraçado!

Depois falei com uma outra dançarina, perguntei o nome de um instrumento. Ela não pode dizer logo porque foi cantar. Noutra dança ela entregou-me o lenço e eu fui dançar para o meio daquele bater de pés, aí não pude recusar… mas não era a dança mais indicada para o meu pé em suposta fase de repouso.

Anoiteceu, foi um anoitecer mágico ao ritmo de danças guineenses!

Voltamos em Toca-Tocas diferentes, pois era difícil encontrar um onde coubéssemos os 7. Fomos num apinhado de gente e ainda fui no colo de uma colega.

O Toca-Toca apenas nos levou até à chapa. Um local onde dizem que se pagava uma chapa para se poder entrar na cidade, ou no centro da cidade. A partir daí fomos de táxi até casa.